terça-feira, 30 de junho de 2009

CRIANÇAS IMPLORANDO PELA APROVAÇÃO DOS PAIS

Identidade
Por Flavia Dalla Bernardina
Quem procuramos? Não vemos nada. Por onde andamos? Não temos bússolas. De onde somos? Não temos mães. Somos todos…
…traçados de identidades reafirmadas. Tropeços de identidades sangradas. Pela identidade sorrimos e matamos. Pela delimitação do próprio espaço ignoramos. Pelo aumento do próprio espaço nos sujeitamos.
Ignoramos os diferentes. Sujeitamo-nos aos poderosos. Sorrimos aos semelhantes. Matamos os indesejados. Traímos os fracos, aproximamo-nos dos oportunistas, calamo-nos frente aos inteligentes, suspiramos nos braços do apaixonado. Odiamos os espertos.
Ruminamos as regras impostas. Saímos pelas portas dos fundos. Choramos as mágoas passadas. Esperamos pelo verbo que consola. Tentamos refazer o caminho, que já foi percorrido. Tentamos a todo custo resgatar os momentos, que já foram vividos. Privamo-nos de qualquer alegria injustificada.
Tentamos viver legitimamente dentro dos nossos próprios desejos, bocejando dentro do nosso próprio esforço. Faltamos a aula que ensina, que não alcançaremos a felicidade se disfarçada em armaduras de realizações alheias.
Abanamos o véu para o tédio. Para as conversas tediosas. Para as pessoas tediosas. É vergonhoso não nos sentirmos um prolongamento do outro. Essa deve ser a nossa grande falha.
Permita-nos ser genuinamente felizes, por ditados que nunca foram escritos, pelo chão onde nunca se caiu, pelas casas onde não há camas. Permita-nos parir do ventre, sem rasgos e com dor.
Deixe-nos pensar que as conexões existem e são verdadeiras. Que nossos pensamentos são só nossos e que não abominamos a concorrência. Queremos a todo o tempo escolher. Nas trocas e interações, desprezamos a idéia de sermos escolhidos.
É árido não nos sentirmos um prolongamento do outro. Essa deve ser a nossa grande prova.
Salve-nos de toda a segurança. Do desleixo excessivo com o filho. Do zelo excessivo com o filho. Dê-nos a cura contra a assepsia que insistem em injetar em nossas veias.
Reforce a nossa crença, quando sentarmos para descansar. Desmonte a nossa cor, quando nos sentirmos únicos. Desmanche a nossa maquiagem, quando nos reconhecermos belos.
Reprove-nos quando acharmos que é tudo verdade. Faça-nos duvidar de nós mesmos, quando estivermos confiantes. Faça-nos duvidar até mesmo de nossa intuição. Ela pode ser a porta-voz latente de anos de manipulação sedimentada. Faça-nos crer em nossa intuição. Ela pode ser o mais alto grau de pureza que existe.
Mantenha-nos em nossa condição de errantes, mas não sobreviventes. Vivos, sagazes e inocentes. Para quando encontrarmos o inimigo, avistemos em sua face a estampa de nossa caricatura.
E dai-nos alguma paciência, para que em certo ponto não muito tarde da trilha, esqueçamos que somos todos…
…crianças implorando pela aprovação dos pais.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

De VINI

AusênciaEu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são docesPorque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vidaE eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperadosPara que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoadaQue ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Vinicius de Moraes
"Vós, que sofreis, porque amais, amai ainda mais. Morrer de amor é viver dele."
Victor Hugo

domingo, 21 de junho de 2009

Despersonalizção

Despersonalização.
“O bom ator não é aquele que quer aparecer. O bom ator é aquele que quer desaparecer.”Peter Brook.
Com o auxilio da professora de filosofia da arte Thereza Rocha, criei um conceito metafórico, sobre o que considero que deve ser a luta diária do ser artista. Descascar- se.
De acordo com Thereza, ninguém é, ninguém está, todos devem. Estamos todos em processo de transformação a nada, ou seja, um processo infinito por tornar-se o que nunca de fato se concluirá. Não há, portanto um núcleo, uma essência. Eis minha metáfora: somos cebolas, somente cebolas. A cebola é revestida por muitas cascas, olhando para uma temos a impressão de que ela seja uma bola solida e que ao final das cascas haverá um núcleo. Ledo engano. Não sobra nada no fim das cascas.
O nada é invisível, ele tudo adere, ele não se distingue, no entanto, sendo nada, ele faz parte. Esse é o processo do ator antropólogo, o de descascar-se, o de não se encerrar em quaisquer pontos, não buscar um percurso pronto. O ator antropólogo não é definível, porém talvez eu pense que ele não se aponte em vírgulas previsíveis.
Quanto menos cascas mais próximo da arte está a cebola, Quando o artista se torna obra, ai sim. Talvez seja essa a busca do ser - humano a de tornar-se obra. Como diria Fernando Pessoa, o poeta que reconhecidamente não era nada(por ele mesmo): “A arte é a auto-expressão, lutando para ser absoluta”.
O abrir mão do olhar que se limita ao campo das probabilidades, para estendê-lo ao campo das possibilidades, é o que mais anseio. Quero poder um dia me misturar com o meio, libertando-me de todas as cascas que limitam a minha conexão.
Eu que não sou uma foto, nem tão pouco uma organização. Talvez seja, talvez seja. Mas não quero mais, não quero ser coisa alguma.
A interminável busca por ser, já não parece mais ser.
Eu que tinha uma ilusão bem construída de mim mesma, fiz a escolha de desconhecer-me a cada segundo, e às vezes quando o mundo se faz dor, eu não posso voltar pra casa, por que eu não tenho mais uma casa.
Tudo bem, que devenha assim. É uma escolha.

sábado, 20 de junho de 2009

Bom mesmo é ser ninguém pra poder ser tudo e mesmo assim continuar a ser nada. Sem rótulos, sem adjetivos. Só movimento, solto. Quem sabe até desconexo. A quebra do campo das probabilidades e a direção do olhar as possibilidades. A busca por “ser” já não é mais.
Senhora menina e suas cascas.
Que bela jovem era aquela. Tinha nela alguma poesia, uma filosofia qualquer. Não me parecia ter lido, assim tantos livros, mas parecia saber de algo, algo que talvez não tivesse aprendido, algo que talvez tivesse percebido. Ela tinha uma maneira peculiar de olhar, uma maneira peculiar de se movimentar. Seu movimento era em direção ao outro, ela se olhava no espelho do outro constantemente. Mas o que será que havia de irreal no encanto que ela causava? Será que por intuição ela sabia o melhor ângulo para cada espelho? Será que ela se contorcia para ficar na melhor pose? E o pior, sim, eu suspeitava do pior... Todo aquele malabarismo machucava os músculos da senhora. Ela em algum lugar ainda não havia percebido, que naturalmente já era linda. Que não era necessária nenhuma pose extraordinária para enfeitiçar o espelho. Não, não aquela menina. Ela era magia nas lentes fotográficas, e parecia ainda melhor nas lentes que captam movimento, sim, ela era movimento.
Até que um dia, a menina decidiu que não queria mais ferir seus músculos para agradar espelhos, ela enfim descobriu que a única pessoa que vê o reflexo é ela mesma. Sim, ela descobriu que poderia ter mil espelhos, poderia fazer mil poses, mas só veria a ela mesma, e só ela, só ela a veria. Já que o outro, também veria a si próprio no reflexo dela.
Houve um dia em que a menina se apaixonou por ela mesma através de um espelho, um espelho que a fazia se movimentar. Mas havia uma certa pintura naquele espelho, uma pintura estranha que a impedia de ver alguns detalhes.
Aquele espelho de fato não era um espelho normal. Tinha qual quer coisa nos seus olhos que não se faziam entender, tinha uma filosofia em movimento de contradição, de ebulição ou seria, de implosão? Às vezes era invisível, às vezes a tornava linda. Mas isso de se perder cansa e fascina, fascina e cansa. Era muita contradição, eram mentiras sinceras, logo ela que dizia se interessar por mentiras sinceras. Aquele espelho pelo menos teve valia, na sua loucura de pólos desconexos, deu a mão para e menina e ajudou a descobrir seu nada.
A menina começou a arrancar cascas, aquele espelho exigia muita energia, fazia bem, fazia mal. Estava sempre em eminência de partida, partida que não se concretizava. Aquele espelho era expectativa, era promessa. A menina passou a querer concretude, a menina não queria mais uma promessa, ela queria um presente. Mas o presente do espelho era como seus olhos, hora intenso, hora distantes. O espelho amava o reflexo de si nela, porém as vezes se assustava. Ela num dado momento se assustou também. Havia alguma coisa de errado na pintura daquele espelho. A pintura mudava de cor. A menina resolveu então que quem iria partir era ela. E partiu. Ela partiu o espelho também. Que hoje em fragmentos reflete outras coisas. Ela também reflete outros, também se fragmentou e se descascou ainda mais.
Talvez ela nem lembre mais, talvez sim. Um dia talvez foi a última coisa que ela disse se olhando no espelho. Um dia talvez ela se torne amiga do reflexo que enxerga naquele espelho, agora ainda é confuso demais.
Um dia... O espelho que hoje reflete outros amores, outras filosofias, guarda a lembrança do reflexo da menina, sem contorcionismos. Ele não guarda seus movimentos em fotos e até mesmo os retratos que o espelho tem dela, são fragmentarias, misturadas. O espelho já sabia em algum lugar. O espelho misturará a menina com o ambiente. Ele queria, ela também. Ela nada, ele nada, ela tudo. Amizade.