quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Hoje eu abri meu armário e dei de cara com a minha covardia, uma gaveta fechada, cheia de cartas interrompidas, com letras quase ilegíveis.Lembrei dos gritos de socorro do menino dos olhos azuis, de como aqueles gritos me faziam forte. Meu corpo magro, pequeno e ainda com dentes de leite, parecia para alguém o escudo perfeito, a fuga do inferno e eu de fato me tornava a tal.Lembrei da mão pesada, do corpo dolorido no chão, do choro desenfreado, da eterna espera no portão da escola e a constatação de que você não vinha., você nunca vinha. Lembrei então, que você vinha sim, vinha sempre que a mão pesava demais e chegava diferente, com presente e carinho, tratava das feridas que tinha feito e prometia ser melhor. Houve o dia em que você arrumou as malas para ir embora, naquele dia eu fiz de tudo para que sua mão me acertasse com força, pedi, implorei, só assim eu teria a certeza de que você voltaria. Mas você não voltou para a casa.Lembrei do medo instaurado nos olhos azuis do meu menino, no choro de horror, no cheiro estranho do seu cigarro estranho, das suas mudanças de humor, das perguntas que o menino de 5 anos fazia para a menina de 8: "Irmã ele é bom ou mal?", "A gente precisa mesmo vir?", "Por que você gosta dele?"... Ela gostava dele, ela amava, ama, nunca conseguiu odiar, talvez dai venha a dor. Ele incentivava seus sonhos, dava livros, como quem sabia que a realidade era um terreno pouco saboroso naquele momento, ele confirmava seus mitos e dizia que nada era impossível, ele colocava esperanças ali. Além do mais os tapas que vieram depois, mais velha, libertavam da culpa e aliviavam, a dor externa era melhor que a interna. A gente não precisava ir, mas a gente sempre ia.

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