sexta-feira, 4 de março de 2011

Avô gigante

Quando pequena, eu tinha hábitos estranhos diz minha mãe. Perdia os óculos escuros que ganhava, acho que de propósito. Certo dia, minha mãe me perguntou com o seu jeito peculiar: "Tayana, onde é que você enfia seus óculos", respondi que não sabia, que não gostava muito deles, gostava do sol. Mas houve um dia que roubei os da minha mãe e fui para aula, havia chorado durante toda noite e estava com vergonha das marcas que as lágrimas deixam, quando chegam antes dos sonhos. Entrei na classe a professora pediu para que eu retiresse-os imediatamente, disse que não poderia, ela perguntou a razão e eu respondi: " é justamente por não querer que você saiba da razão que estou com ele", achei que ela ficaria brava e me expulsaria da sala, mas ela sorriu e me autorizou a permanecer com eles.
Eu também não pisava em poças d'agua, elas me causavam certa dor, acreditava que eram restos de choro de algum gigante que sofria por ali, eu acreditava em gigantes e não tinha medo deles.
No dia que entrei na biblioteca de meu avô, quando ainda tinha seis anos e aquele era um lugar só dele, fechado para visitação, me senti invadindo a casa de um gigante. Era um cômodo enorme, cheio de livros, com uma escada para gente pequeninha como eu conseguir alcançar a altura das prateleiras. Eu peguei aqueles livros, vários deles e resolvi construir uma casinha para mim, usava livros como parede, telhado, chão, fiz tudo com uma certa culpa, consciente de que aquele material de construção não me pertencia.
Quando meu avô adentrou a biblioteca e me viu ali, dentro da casa de livros, perguntou sério(como era sempre): O que está fazendo, Tayana? Eu, um pouco nervosa e com medo(eu tinha medo dele) respondi: "Uma casa". Ele morreu de rir, eu não consegui entender a razão da graça, mas fiquei aliviada, se ele ria é porque não era tão grave o que eu tinha feito. Então ele se sentou e falou comigo do lado de fora: "Eu também, sempre quis ter uma casa de livros", eu respondi: "Mas você já tem vovô, uma casa de gigante feita de livros". Neste momento ele me deu um longo abraço e falou: "De hoje em diante, esta casa também é sua, essa pequenininha que você fez, é o seu quarto. Livros são belas paredes, mas é preciso ler o que há nelas, para se viver nesta casa, você quer ler suas paredes?" e por último respondi: "Quero, agora eu entendo para que serve uma parede".

É meu avô, você me ensinou a ler as paredes, os muros, os limites e me fez acreditar que eles só existem para serem lidos e atravessados. Tenho orgulho de ti e sei que você terá de mim. Fica mais um pouquinho?

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